No pós fim de semana eleitoral, estou com aquela sensação de ressaca de vinho barato, juntamente com má disposição intestinal perpetrada pela ingestão de ovos cozidos esquecidos no frigorífico há mais de três semanas.
Dói-me o peito e não é refluxo gástrico, muito menos das eleições; penso que é da pancada que dei na quina da televisão ao perceber que Portugal tinha votado em massa na canção israelita. Não é que não tenha gostado, porque na verdade nem a vi, nem a ouvi; mas devia, por uma questão de tradição, confesso que em vez disso, estava a marinar uma espécie de frustração vivida no cantinho direito do coração, numa espécie de sopa emocional a tentar perceber o campeonato futebolístico 2024/2025. Não é que goste especialmente de futebol, é uma questão de cultura geral, que me dá sempre imenso jeito no desbloqueio de conversas de elevador – Então, vizinho, este ano parece que os chineses lá se enganaram no animal, não foi? Só dá Leão!
Voltando à diarreia inicial, à qual vou ter que rapidamente me adaptar, podia perfeitamente dizer que fiquei sem palavras ao avistar a escolha democrática dos portugueses. Se me surpreendeu? Sim, surpreendeu. Sempre pensei que o aumento do salário mínimo em 22% até 2028, a atualização das rendas com base na evolução dos salários e a excelente gestão do dossier dos transportes, captariam mais votos que o apregoado “Vamos limpar Portugal”.
Este “Vamos limpar Portugal” sempre me intrigou, parece que remete para um possível slogan de uma empresa de limpezas, a Chega mais Branco, sociedade unipessoal, não vos parece? Limpar Portugal é sempre uma excelente iniciativa, mas vão começar por onde? Esta é a pergunta que se impõe: pelas praias da margem sul? pelas esquinas das ruas sem saída? ou simplesmente pelas cadeiras da Assembleia da República, usando um lencinho de papel para sacudir o pó antes de se sentarem? Brilhamos onde os outros não chegam, seria um slogan, do meu ponto de vista, muito mais competitivo relativamente à concorrência partidária.
Doravante, teremos o Luís que quer trabalhar e a quem demos as chaves da empresa na expectativa que ele não as empreste ao vizinho do lado; a malta das limpezas com vassouras em punho e lenços na cabeça, a gritarem que os outros só fazem …isso que vocês estão a pensar; o funcionário que está a termo certo e caducado a aguardar que o diretor dos recursos humanos chegue de férias e desencalhe alguém que saiba línguas, gestão de redes sociais, tenha um bom seguro de saúde para os possíveis acidentes de mota, uma câmara fotográfica razoável para captação de eventuais fotos com VIPs inesperados, seja do signo capricórnio, saiba trabalhar sob pressão, multitasking e com disponibilidade para viajar. Vamos ser igualmente brindados com uns vizinhos que, de vez em quando, aparecem de motosserra em punho a apregoar que o desemprego é um boost para o desenvolvimento económico do país, mais uns quantos que acreditam que os kibutz são a solução para a habitação; sem esquecer a rapariga do SNS pet, não vá a bicharada pegar nas trouxas e emigrar para países mais abertos à imigração botânica e animal. Por fim, no alucinante jogo das cadeiras parlamentares e para relembrar que a Madeira não é só CR7, temos a bela representação da poncha, feita pelo povo e para o povo.
Espera, falta alguém, tenho a certeza que sim, pá. Estou com aquela sensação de que me esqueci de alguma criança algures entre o infantário, o carro ou ATL. Mas, o tempo urge e confio que os avós a tenham ido buscar.
Sabem o que é mesmo dramático no meio desta comédia dantesca? É que, para dirigir a orquestra, adivinha-se um diretor de corso carnavalesco, onde a limpeza pode eventualmente cheirar a mar.
Agora o que está feito, feito está, resta-me esperar pela próxima época desportiva, porque afinal o ano do Dragão só termina em dezembro.
Guardo a certeza que 51 anos de liberdade democrática não definhará.
(texto escrito por humana, sem recurso a nenhuma ferramenta de AI)
Patrícia Sá Carneiro.
19/05/2025.