Maria Luís Duarte tem 26 anos e vive, desde 2017, na Alemanha. Maiata de gema, trocou Portugal para viver daquela que é a sua paixão, a música.
Maria Luís vive atualmente na cidade de Muenster. Toca violoncelo desde os cinco anos e, aos seis, já fazia a sua primeira performance a solo, no Fórum da Maia.
Mas, apesar de a sua vida estar ligada à música desde cedo, seguir uma carreira na área nem sempre foi um plano. Quando terminou o 12º ano candidatou-se ao ensino superior e entrou em Biologia. Mas o destino trocou-lhe as voltas e acabou por também conseguir lugar na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo, no Porto.
Fez uma Licenciatura em Performance Artística em violoncelo e, quando terminou, rumou à Alemanha para uma pós graduação. Desde então, já vai no segundo mestrado, reforça uma orquestra e tem o seu próprio quarteto de cordas.
Maria conta-nos que o seu grande objetivo é integrar uma orquestra de forma fixa. Conheça o testemunho desta Maiata pelo Mundo.
Notícias Maia (NM): Porque é que decides rumar à Alemanha?
Maria Luís Duarte (MLD): Atualmente, no mundo da cultura e da música, a Alemanha é o país que está mais forte e mais ativo na área da música clássica, que é a minha. Os grandes professores, as grandes competições e os grandes concursos, estão lá.
NM: Como é que foi a adaptação a um país totalmente diferente do nosso?
MLD: O primeiro ano, da pós-graduação, foi bem difícil. Nós chegamos lá em outubro, que é quando começa o ano letivo. Um mês depois começa o inverno, em que anoitece às quatro da tarde e faz muito frio. No início ainda não falas o idioma então é difícil fazer amigos. E os alemães são exatamente como toda a gente diz, pessoas frias, pouco empáticas.
NM: Mas é possível ser amiga de um alemão?
MLD: Eu não tenho amigos alemães (risos), tenho colegas alemães. São muito bons profissionais, mas darem abertura a uma amizade é muito difícil, e eu tentei.
NM: Foi fácil a adaptação à língua?
MLD: À língua sim. Porque a língua é igual aos alemães, é quadrada. Não tem como errar. Ou melhor, se erras já tem outro significado, então é só aquilo. Acho que também é por causa disso que eles passam por serem frios. Porque a língua é muito fria também. Eles não têm diminutivos, por exemplo.
NM: Qual é a imagem que eles têm dos portugueses?
MLD: Adoram o Ronaldo, boa comida e bom clima. Têm ideia de que nós somos muito atrasados. E eu sou totalmente o contrário, até sofro por ser tão pontual!
NM: Alguma vez te sentiste descriminada por seres portuguesa?
MLD: Como portuguesa não, como estrangeira talvez. Quando eu cheguei estavam também a chegar refugiados e então eles não me estavam a encarar muito bem. Se achavam que eu era turca, eram arrogantes e até se recusavam a falar inglês. Mas quando viam o meu cartão de cidadão, já falavam inglês.
NM: Mas sentes que perdes oportunidades de trabalho por não seres nativa?
MLD: Isso não! Tenho as mesmas oportunidades que um alemão, não há discriminação nessa parte. Aliás, até tenho mais visto que há bolsas só para estrangeiros. Uma coisa que é muito justa na Alemanha é que as provas são feitas “às escuras”. Isto é, não nos veem, só nos ouvem tocar. Só na ronda final é que nos podem ver. Não podes ser discriminado pelo teu tom de pele ou pelo sexo. Acho que eles sentem uma culpa muito grande por causa do holocausto e tentam fazer tudo bem para apagar essa imagem.
NM: O que é que mais gostas na Alemanha?
MLD: Tudo é organizado. E a valorização do meu trabalho. Na Alemanha, quando gostam e vem que te esforças, dão-te oportunidades.
NM: Achas que, na Alemanha, faz parte da cultura valorizar a música clássica?
MDL: Inevitavelmente os alemães vão estar sempre mais ligados à música clássica porque a maioria dos compositores são alemães, como Beethoven. São muito orgulhosos nessa área. A nível de compositores e artistas portugueses foram poucos os que se destacaram. Mas eu acho que vai haver um “boom” de cultura clássica em Portugal, o nível está muito alto. A nossa formação e universidades de música são muito boas, o que falta é empregos, integração profissional.
NM: Que oportunidades é que a Alemanha te dá que Portugal não te poderia dar?
MLD: Variedade. Por exemplo, já fiz trabalhos com bailarinos, atores, teatro. Já fiz espetáculos de música contemporânea, música clássica. É a variedade de desafios que nos são propostos. Em Portugal isso não acontece por causa da falta de público e do preço elevado dos bilhetes.
NM: Imaginas-te a voltar em breve para Portugal?
MLD: Imagino. Tanto é que concorri agora à casa da música, mas não me convidaram para o cargo. Muitas vezes nós queremos voltar, mas não nos dão sequer hipótese de fazer a prova. É nestas coisas que Portugal desilude. Não apoia nem dá hipótese ao que é nacional.
NM: Como é que esta pandemia afetou a tua profissão?
MLD: Foi difícil, tive muitos concertos cancelados. Também é um período bastante frustrante. Nós funcionamos um pouco por objetivos para nos mantermos focados. E foi um bocado isso, perda de foco, não perceber para que estamos a estudar.
NM: Para terminar, e até voltando ao início, porquê o violoncelo?
MLD: No conservatório eles dão-te a oportunidade de experimentar todos os instrumentos. Na altura experimentei um violoncelo pequenino que parecia uma pessoa pequenina também. O timbre do violoncelo é o mais comparável a voz humana. Acho que na altura me identifiquei.
NM: E depois destes anos ainda há coisas que precisas de aprender?
MLD: Muitas! É eternamente difícil. Até o melhor do mundo estuda seis horas por dia. É preciso muita dedicação.