1.- Os Faraós não eram homens simples, muito menos modestos. Se atentarmos no livro do Êxodo, o Faraó de então – mesmo conhecendo ou desconhecendo a obra de um dos filhos hebraicos -, construiu muitas obras que dizemos “faraónicas”. E construiu-as com o sangue, suor e lágrimas – como costumamos dizer dos filhos hebraicos -, porque o que interessava era “obra” que o seu povo visse e preparar, assim, a história para nunca o esquecer. As cidades-armazém de Pitom e Remessés foram construídas pelos israelitas, que iam cada vez sendo mais oprimidos, com trabalhos forçados, primeiro, para construírem sem qualquer salário mínimo, e, segundo, para não se multiplicarem. Estando cansados era natural que queriam dormir e não se multiplicar. Por isso mesmo, a determinada altura, foram mortos todos os meninos nascidos dos hebreus, com aqueles que existiam já lhes chegava para na escravidão construírem as cidades e suas obras. Só que não contaram que as mulheres fizessem o seu próprio parto, então mandou todos os filhos masculinos que nascessem serem afogados. Daí vem a salvação de Moisés, que serviria mais tarde como garante da libertação. Mas para perpetuar o seu nome e obter a vassalagem de um rei-deus, o que interessava era uma economia sólida, a construção de grandes edifícios e até do seu próprio túmulo, para que fosse servido e adorado. Nem que tal fosse obtido com a mão de obra escrava, e para isso teria o exercício da repressão e do extirpar a cultura dos hebreus. Como esta história outras se poderiam contar dos faraós, que existiram pela história fora, quer antes ou depois de Cristo.
2.- Lutero, um monge católico, vestido da mais nobre condição, proclamou com as suas teses que as coisas não são bem assim. Todos conhecemos bem a questão das “indulgências”, pagas és “salvo”, não pagas “não és salvo”. O frade dominicano Johan Tetzel, o grande comissário das indulgências diria que por cada quantia que “tilintava” na saca, uma alma sairia do purgatório. Isto tudo porque havia a necessidade imperiosa de reformar a Basílica de São Pedro. Contra tal se levantou Martinho Lutero, que hoje é estudado e reverenciado em todas as tradições religiosas. Os faraós do século XVI queriam assim construir obra, mesmo que isso constituísse uma heresia. Os seus trabalhadores por “amor a deus” haveriam de ganhar pouco e construir muito.
3.- Mas não tinha sido isto que Jesus veio dizer. Deus que libertou o povo hebraico do jugo do faraó, também na voz de Jesus de Nazaré havia de proclamar a liberdade aos cativos. Disse mesmo que “não tinha onde reclinar a cabeça”, e por onde passava eram as suas amigas e os seus amigos que o acolhiam. Não deixou obras faraónicas, nem estátuas, nem sequer um mausoléu para o recordarem. Morto como um terrível terrorista, haveria de ressurgir e continuará vivo em cada uma e cada um de nós. Obras deixou, o seu Amor à liberdade, à misericórdia, e o seu sermão da montanha, a sua doação às mulheres e aos homens de boa-vontade. Não deixou templos, nem livros, mas só a Palavra da Ressurreição.
4.- Por isso é curioso que ainda hoje se apele à doação de dinheiro para “obras faraónicas” e que tais sejam abençoadas em nome de Jesus de Nazaré. Contando com algumas cumplicidades religiosas e políticas, para conservarem as suas obras e talvez uma estátua que os perpetue, assistamos aos gastos de milhões de euros. Por um lado, do Povo de Deus, que mergulhado no querer dar, até dá o que lhe faz falta, como a mulher do templo, que deu a única moeda que tinha. Por outro lado, no poder político que, alicerçado em falsas ligações “culturais”, ou em falsas “portas” de entrada, com as nossas contribuições decide validar as construções de hoje, que não deixam de ser faraónicas. Ao lado há campanhas para os sem-abrigo, sem trabalho, sem nada, como se de caridadezinha se tratasse. Tal como o povo hebreu, tal como Martinho Lutero, dizemos que esta não é a recomendação do Senhor. Nas obras faraónicas não são pagas as remunerações aos trabalhadores com dignidade, antes são esmagados, hoje pelo “capital que mata”, no dizer de Francisco, bispo de Roma.
5.- À volta, à volta, do planeta, pode ser que aterremos na Maia.
Joaquim Armindo